O Freezer

Dez dias de atraso menstrual e de repente entendi que o sexo é uma idiotice da qual eu devia ter escapado. Merda de instinto. A gente não passa mesmo de bicho. O que é uma trepada diante de tudo que pode me acontecer agora? Uma droga de uma trepada mal dada. Ainda nem sei como fazer direito. Camisinha. Um trocinho de borracha e da marca mais vagabunda. Seca, porque fico com vergonha de pedir uma lubrificada. Um pedaço de borracha pra acabar com a minha vida.

“Minha mãe deixou um freezer novinho, de balcão de padaria, aí no fundo da casa. Quem sabe a gente pode vender” – sugere o Namorado. Parceiro. Sei lá. Ele mora numa república com os amigos. Estamos discutindo a questão à mesa da cozinha, desconfortáveis, como se estivéssemos – o que já fizemos, ali mesmo – estudando para uma prova.

“Um freezer. É alguma coisa”.


É alguma coisa a que me apegar, porque por enquanto só eu percebo o drama. São cinco homens na casa e todos já sabem do atraso. Eles riem do meu desespero, enquanto passam para comer um pão, tomar uma água, buscar o material da faculdade ou do trabalho, e eu só posso tentar ser leve e rir também, pra esperar que seja tudo um engano.
Mas os dias continuam passando. Comecei a tomar chá, à noite. Não sei por que, a impressão é de que o chá vai me ajudar a eliminar isso que pode existir. Esse parasita. Essa impossibilidade. Essa rasteira. Deus, Deus. Se você existe. Se você olha por todo mundo como todos insistem. Eu te odeio. Se você olhou pra mim e achou que eu merecia isso, Deus. Vá se foder. Cheguei até aqui apesar de você não ter ajudado em nada. Aí eu entro na faculdade. Começo a aprender alguma coisa que vai me levar a algum lugar. Me cuido, porra. E tenho que passar por isso. Eu te odeio.

A irmã do Carlos fez um aborto e ele foi junto.

– Oi, Carlos.
Carlos é aquela pessoa que você não sabe se tem amizade ou se está só observando. Está sempre presente, mas sua gentileza parece falsa, os olhos sempre rápidos, brilhantes. Inteligente, zomba e ofende sem parecer mau. Mas é divertido e afinal, agora, tem uma informação valiosa.

– Eu levo vocês lá na clínica.

– Eu não quero ir agora. Só quero saber o preço.


O Namorado ligou pra mãe e contou da possibilidade de gravidez da namorada. Não sei se usou o termo namorada. Espero que não, que tenha me chamado de vagabunda. Quem sabe ela esquece a religião e manda dinheiro suficiente pro procedimento. Não conversamos direito, mais, não quero saber dele, nem de sexo, nem de mãos dadas, só quero me livrar de tudo isso, voltar a ser eu, a respirar na velocidade normal, a não ter mais essa dor no estômago, essa falta de ar. Eu não tenho nada, nem consigo ajudar no aluguel, sou um projeto. Não vou contar pra minha mãe, nem pra ninguém. Se os estranhos não me ajudarem, dou um jeito. Me atiro na frente de um ônibus. Posso morrer ou posso abortar. Só não posso sobreviver aleijada. Posso enfiar eu mesma uma agulha de tricô, mas não acho que vá dar certo. Acho que está na hora de começar a me informar sobre isso. Afinal, tanta gente morre de aborto todo ano, deve ter sei lá, o dobro disso de sobreviventes. Enquanto isso, sigo fumando e tomando meus chás.
Mais cinco dias. A clínica fica na Praça Osório. Todo mundo já ouviu falar. Os dois chegam bêbados de uma cerveja, depois da aventura. Dois homens – vá lá, garotões – foram à clínica de aborto. Seria engraçado se… bem, foi engraçado sim. Não durmo direito há semanas, vivo tentando disfarçar o desespero e esperando que no dia seguinte o sangue flua como tem que ser. E nada. Mas ainda faço que me divirto com o jogral improvisado, irresponsável, dos dois amigos. Eles são homens e podem escolher como uma gravidez vai atingi-los.

– O médico é gente boa.

– Só tem as unhas nojentas.

Rimos.

– Como assim, entraram os dois juntos?

– A gente falou que não sabe de quem é o filho.

– E que vamos rachar a conta.


O preço é alto. Se tivéssemos cinco freezers à disposição, ainda assim, faltaria dinheiro. Conversamos agora sobre a possibilidade de passar um cheque sem fundo. Em casa, disfarçadamente, levanto a camiseta à frente do espelho pra ver como está a barriga. Olho pro meu rosto e não entendo como ninguém percebe que meu olhar mudou. Estou prestes a fazer alguma coisa muito definitiva. Muito ruim. Finalmente virei adulta.
Deito na cama e penso por que não sou como as outras e não vejo ali alguma possibilidade? Uma criança, um neto, um filho, algo que me dê força de vontade, que me dê motivo pra viver. Passo a mão na barriga. Não. Não tem nada ali. Quero dizer, mesmo que houvesse, não há nada, pra mim. Só o meu futuro completamente mudado. E só o meu. O Namorado, esse, pode continuar vivendo. No máximo vai ter que pagar uma pensão – no dia em que tiver um trabalho. Até lá, hipoteticamente, a criança já estaria falando. Mas eu me recuso. Não vou passar por isso.
No dia seguinte me encontro com as duas únicas amigas que sabem da minha espera – taí um termo inadequado – na Reitoria. Vamos ao último andar, sentamos no chão, em frente aos janelões que têm vista para o pátio, doze andares abaixo. Elas tentam me animar. Como eles, também riem, pois não tiveram o mesmo azar. Dizem que minha vida pode mudar durante algum tempo, mas depois eu retomo tudo. Não choro. Uma zeladora passa e pergunta se está tudo bem. Estranho. Uma das amigas lembra, compartilhando o último cigarro, o suicídio de um aluno, dois anos antes. Ele se jogou exatamente daquela janela e quase atingiu o reitor, que ficou com a calça toda respingada de sangue. Não colocaram grade nem nada porque seria infantilizar o público universitário, disse o presidente do Diretório Acadêmico. Então ainda é assim: só abrir e pular.

Looping

[Esse texto foi publicado originalmente no blog La Vie en Close, de 2013, no qual contava sobre o ano em que vivemos na França. O texto foi feito depois de nossa primeira visita à Disney de Paris. Hoje é aniversário de 16 anos da Nina e eu lembrei dele.]

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Eu estava louca pra ir naquela montanha-russa. A primeira vez na minha vida. Ela bancou a corajosa e quis me acompanhar. Claro, a primeira dela também, dando um salto (um looping) de três décadas no histórico familiar. A altura já permitia. Acabamos indo os três. Na fila, num corredor escuro e longo, lotado e sufocante, ouvíamos os gritos daqueles que, sobre nossas cabeças, já estavam nos vagões, cruzando o universo, passando pelas galáxias, buracos negros e supernovas, como anunciavam os monitores, dos quais saíam também os alertas de que pessoas com problemas cardíacos não deviam experimentar aquele brinquedo. Eram gritos de pavor mas ainda parecia divertido. O chão e o teto tremiam. Perguntei até o último momento se ela tinha certeza se iria mesmo enfrentar altura e rodopios. Ela me garantiu. Mas no momento em que sentamos lado a lado na nave espacial, suas mãozinhas estavam geladas e ela se arrependeu. “Não quero mais”, mas era tarde. O baque da primeira subida na montanha-russa foi forte, um prenúncio dos sustos que viriam a seguir. Foi a primeira vez, ainda, em que me senti realmente impotente. E de ponta-cabeça. Não podia mais protegê-la, só continuar segurando sua mão e dizendo (gritando) “calma, já vai acabar, fecha os olhos, eu tô aqui”.

A metáfora é irresistível. Há um ano, trouxe a Nina para uma aventura que fez nossa vida virar de ponta-cabeça. Frágil, ela seria a pessoa mais afetada pelos sustos de um universo completamente diferente, uma realidade paralela com outra língua, outro modo de ser e de estar no mundo. Ela não teve medo e enfrentou tudo bravamente. Escola. Língua. Distância. Saudade. Amizades. Estudo. Nunca disse “não quero mais”. Aceitou e assumiu um capricho dos adultos, resignada, bem humorada e feliz.

Nove anos atrás eu a trouxe para essa montanha-russa. Hoje o tempo me pesa e sou eu que preciso mais de suas mãozinhas, da sua presença. Ainda a protejo, mas sou cada vez menos necessária. Logo ela vai começar a escolher suas próprias aventuras e eu, mesmo que me sinta impotente de novo, espero que ela sempre escute meu eco, “estou aqui”.

Admirável Mundo

Os Irmãos Karamazov eram meio loucos e se achavam importantes demais.

Bentinho era machista. Capitu pode ter traído, sim.

Rola alguma pedofilia em Cem Anos de Solidão.

Scarlet O´Hara não passava de uma riquinha racista e Ashley, um supremacista branco.

Raskólnikov matou uma mulher; Meursault matou um homem – árabe. Nenhum parecia ter qualquer apreço pela vida de terceiros.

As meninas da Jane Austen, oh deus, só pensam em casar, casar, casar.

Holden Caufield, que adolescente insuportável. Giovanna também é uma adolescente insuportável. Têm estudo, comida, pais que os amavam, o que mais podem querer?

Diadorim enganou a todos. Fabiano foi um péssimo tutor para Baleia.

Gabriela bem que provocava.

Lila e Lenu eram péssimas amigas. Arturo Bandini, um ingrato com a família.

Humbert Humbert, um criminoso pedófilo que ainda tenta parecer razoável!

Karl Ove Knausgard é paradão. Karen Blixen era colonizadora e caçadora.

Todos os protagonistas de Michel Houellebecq são homens brancos cis héteros ricos machistas e preconceituosos.

A Terra Média nem existe.

John Stoner é um mosca-morta dominado pela mulher. Huckleberry Finn, um bandidinho.

Janina Dushenko surtou. Inveja é o talento de Ripley.

Henry Chinaski não tem nada a dizer.

Nem eu.

Ódio, revolta, asco, tédio. Arte é provocação, e eu aceito.

Amanhã será pior

Eu só queria ter facas bem afiadas. É um absurdo ou uma baita questão pra psicanálise que eu não tenha aprendido a afiar facas, porque essa atividade era uma das principais distrações do meu vô materno, o seu Zé do Pio. E eu me acho parecida com ele em algumas coisas, como a disposição para andar quilômetros, calmamente, pensando na vida ou apenas evitando estar onde deveria (coisa que não faço mais, mas gostaria). O vô, que já conheci aposentado, passava horas sentado na escadinha do quintal, afiando suas facas obsessiva e lentamente – sem a menor necessidade, pois era isso todo dia. A vó Maria não deixava as crianças nem olharem para as facas, capazes de cortar uma folha de papel no ar. E assim, nunca aprendi a afiar e sofro hoje com facas cegas que não cortam nem os tomates do eterno fazer-comida da quarentena.

Essa é mais uma das heranças desimportantes que não recebi.

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Comentei hoje com uma amiga que as selfies dela me lembraram boneca de papel: sempre a mesma carinha e corpo, perfeitos, com roupas diferentes. Quando criança tive uma fase de estilista de boneca de papel, das cabeçudas ou das protobarbies. Amigas da minha irmã que frequentavam nossa casa me mostravam suas bonecas, eu as media, fazendo um traço no papel e marcando nele onde ficavam os detalhes (algumas tinham até mãos nos bolsos). Elas escolhiam, em revistas e catálogos, quais modelitos queriam. Eu desenhava igual às fotos, recortava e fazia aquela alça extra para a roupa ficar presa à boneca. Não sei se criava alguma coisa ou se já tinha uma alma operária, fazedora, de bastidores. Provavelmente não me arriscava a criar. Muitos anos mais tarde a Nina desenhou uma coleção com o tema Universo: vestidos pretos ou em azul marinho com o que seriam bordados em cristais e linhas brilhantes imitando estrelas, luas, galáxias. E mais alguns anos mais tarde, topamos numa vitrine da rua mais chique de Paris com uma coleção parecidíssima com a dela (não foi a única, o tema volta a cada década). Heranças desimportantes.

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Com o tempo, aprendi a aceitar a nostalgia.

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Compras:

Queijo/ presunto

Plástico filme

Shampoo Pantene abacate (para Nina)

Tinta de cabelo

Ervilha congelada

Guardanapos

Queria mesmo comprar:

Difusores de ambiente pra ficar com cada parte da casa com um perfume, assim como têm cores diferentes. Lavanda na salona, gengibre no meu quarto, ervas, canela, grama nos outros.

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Acabo de ler mais um livro do Houellebecq, O Mapa e o Território. Neste ele não nos desafia, não nos confunde, fazendo-nos rir ou nos tornando cúmplices de ignonímias. A provocação está no uso de trechos da Wikipedia e de manuais para descrever produtos e lugares – como se não fossem essas as informações que nos satisfazem já há anos, o primeiro resultado da busca do Google para sustentar nossos debates. Tem lá suas discussões sobre arte e dinheiro, também. Aponta, demonstra, denuncia, zomba do consumismo e dos modos de produção. Mas é um livro triste, apesar de passagens que levam ao riso largo – o próprio Houellebecq se faz personagem e sua participação cria as melhores páginas do livro. Um livro sobre vida, arte, decadência, morte, mortes.  

Euzinha

*Previously*

No post anterior comentei que tentaria evitar escrever em primeira pessoa. Bobagem, esqueça. Sobre o que mais escreveria nesses dias? Vamos lá.

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Tinha num livro do Sidney Sheldon ou Harold Robbins, não sei, que li lá pelos 13 anos, uma personagem que era golpista e, a bordo de um navio, descobriu que entre os passageiros, porém em classes diferentes, estavam dois grandes jogadores de xadrez. Aí ela apostou uma partida com cada um. Assim, subia e descia pelas escadas do navio, copiando os movimentos de um contra o outro, e fazendo parecer que eram seus.

Às vezes me sinto assim, roubando no jogo: passo dois, três dias consumindo o máximo de notícias sobre política e sobre o vírus, obsessivamente, em sites, tweets, podcasts, desde que acordo e desligo o despertador do celular até a noite, quando o ajusto novamente, gastando minutos preciosos do meu horário de leitura.  Ao fim já nem sei mais o que penso ou se fui eu que concluí que está tudo perdido, mesmo. Até que toda essa informação me sufoca e passo a me dedicar a limpar a casa, também obsessivamente.

E não sou só eu. Recebo dicas de faxina das fontes mais surpreendentes, de amigas que jurava saberem só ligar a lavadora de louça. Não somente pela necessidade porque a diarista, faxineira ou funcionária foi dispensada (e como só me relaciono com gente fina, todas sendo devidamente pagas durante esse período). É a sensação de controle, de literalmente deixar a casa em ordem. Como as crianças que precisam reler e reassistir compulsivamente os contos de fadas pra garantir que a bruxa foi morta, que o bem venceu o mal. Mesmo que a faxina termine às seis da tarde porque você não teve disciplina e se enrolou, e que até a hora do Jornal Nacional seu labrador já tenha babado e deixado pelos por todo o chão. Tem aquele momento em que você olha tudo arrumadinho, em silêncio, por dois segundos que seja, e sente a paz do dia normal, do mais-um-dia.

Efêmera.

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Topei com um texto em que Michel Houellebecq garante que um mundo melhor não surgirá da pandemia. O texto é bacaninha e ele conta que, mais do que das pessoas, sente falta das caminhadas, que para Nietzche eram fundamentais para a reflexão de seus textos, ao contrário de Flaubert, para quem que só seria possível pensar e escrever bem se estivesse sentado. Polêmica de alto nível.

Houellebecq é um dos meus escritores favoritos, mesmo quando não gosto de um ou outro livro. Mais à frente ele cita outro autor,  Philippe Ariès, que identificou a tendência contemporânea de  encobrir a morte. “Bem, a morte nunca foi tão discreta quanto nas últimas semanas”, comenta, sobre a ausência de velórios e enterros das vítimas de Covid-19.

Mas o principal efeito até agora, diz o vieux terrible, é termos assumido “com indecência tranquila” que é possível escolher, entre os doentes, os que devem morrer — os idosos. Que “a partir de uma certa idade (70, 75, 80?) é como se você já estivesse morto”.

E nesta semana tivemos a indiscreta morte de Flávio Migliaccio, com sua carta (que só li uma vez, envergonhada), gritando para o mundo que não é possível mais envelhecer no Brasil, neste Brasil. Não apenas por ser a primeira opção nas UTIs, pela pobreza, pelo descaso. Morre-se de desgosto. Lima Duarte rompeu o pudor que envolve um suicídio e fez uma homenagem corajosa ao amigo.

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Houellebecq aponta o desdém ao valor dos velhos no velho mundo. Por aqui temos o debate do que vale mais, CPFs x CNPJs.

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ASSISTINDO: Amiga Genial/ Curb Your Enthusiasm.

LENDO: Complô contra a América, Philip Roth (ainda na metade)

COMENDO: pizza

BEAUTY: tingi o cabelo

SAÚDE: só tusso quando penso

Quarenteners

O que dizer da quarentena? Sai a motorista, entra a cozinheira full time.

E eu gosto de cuidar das pessoas — das minhas pessoas. Tomou lanchinho, fez exercício, tem café, latiu no portão, tomou remédio, tomou água, o quarto tá limpo, imprimiu o boleto, passou pomada, conectou o wi-fi, colocou uma blusa porque tá escurecendo? Só não me venham contar sonho. Não é uma aptidão, não poderia nem ao menos ser um plano B, se ainda contratassem governantas. 

Mas sinceramente, 2020, cuidar da casa nem deveria ser pauta. No aguardo dos robôs. 

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Crise de pânico no mercado: não é o vírus, são os preços. 

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Todos os dias acordo torcendo para que alguém da trincheira de lá tenha morrido ou pior. Abro os olhos, geralmente antes do alarme; pego o celular, os óculos, procuro uma notícia, um breaking news que me anime. Não me incomoda, são tempos de ódio, estou alinhada, como diriam os gestores. É o único sentimento possível tendo em vista tudo que estamos passando, e o que ainda virá. Na hora de reagir estarei pronta.

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Perdi dois clientes, metade da minha renda, em dois meses. Mas quando penso como posso ter fracassado tanto no que se poderia chamar de carreira, lembro do Exército brasileiro servindo, ajoelhado, a milicianos.

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Adolescência é a antítese da empatia.

Não é uma queixa. Apenas observo o desenvolvimento das vontades.

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Tentei começar um blog novo com a Luciana, só consegui um texto (colado aqui, no post anterior). Me animei de novo lendo blogs da quarentena de amigas muito mais interessantes que eu. Estou destreinada de escrever e acabou saindo tudo em primeira pessoa, aliás detesto, coisa cafona. Tentarei evitar.

 

ASSISTINDO: Mad Men (revendo)/ Westworld/ Amiga Genial/ Curb Your Enthusiasm.

LENDO: Complô contra a América, Philip Roth

COMENDO: purê de batata salsa (baroa, whatever)

SAUDADE: planos de viagem

EXERCÍCIOS: quem sabe mais tarde

DIGNO DE NOTA: hoje faz 29 anos daquela festa do RU

 

 

O Profano

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Ela olha fixamente para você. Nua, zomba da sua roupa escolhida para ir ao museu. Ri da sua pompa de admirador de arte. Suspira após o almoço na relva, o encontro erótico com seus amigos, após beber e falar sobre o mundo, as ideias, o carnal e o sagrado. Ela se divertiu, está satisfeita. Ela é Maria Madalena antes da culpa.

O lanche ficou pela metade, jogado. Não era essa a fome. Passada a ação, estão serenos. O que se faz acompanhar por ela, que tenta ser seu companheiro, é Jesus. Observe o rosto de judeu, a mesma feição que vai ser eternizada na cruz. O companheiro que argumenta é Judas. Poderia ser São Tomé, que na obra de Da Vinci está em posição parecida, mas prefiro pensar que é Judas argumentando (negociando?) sobre seu destino maldito – afinal, sem a traição certa, não há futuro.

No alto, um pássaro quase escondido paira, com penas leves, avermelhadas, cujas asas definem o extremo de um triângulo místico de luz sobre aquela santa ceia profana.

Na água, uma mulher se lava, tenta apagar da pele os cheiros e as marcas daquele encontro até sobrar só sua versão da história. Somos nós, a Humanidade.

 

* Interpretação super livre do Dejeuner sur L ‘Herbe, Edouard Manet, 1863.